Em solicitação formal de dados
públicos através da Ouvidoria do TCMBA, foram requisitados os registros de
consumo de combustível da Prefeitura Municipal de Morro do Chapéu, referentes
aos exercícios fiscais de 2021 a 2025. A análise preliminar desses dados revelou
indícios de diversas irregularidades administrativas e financeiras.
| Foto: Google Maps |
Nesta etapa inicial, concentramo-nos nos apontamentos fundamentais relacionados ao custo por litro de combustível, com base nos relatórios mensais de custo e consumo divulgados pela própria Prefeitura inseridos no sistema SIGA – Sistema Integrado de Gestão de Auditoria.
Ressalta-se que a veracidade e a integralidade desses dados são
de exclusiva responsabilidade do ente municipal, conforme reiteradamente
destacado nas consultas e relatórios do TCM-BA.
Embora eventuais equívocos
isolados possam ser atribuídos a erros humanos toleráveis em contextos
administrativos, a repetição sistemática de discrepâncias – totalizando quase
uma centena de registros questionáveis e um impacto financeiro estimado em cerca
de R$ 3 milhões – demanda escrutínio rigoroso. Trata-se de uma ocorrência sem
precedentes em análises semelhantes realizadas até o momento.
Sob a gestão da atual prefeita, a Prefeitura de Morro do Chapéu registrou pelo menos 43 abastecimentos de veículos com custo por litro superior a R$ 20,00 (chegando até R$ 70,00), valor que excede significativamente os preços médios de mercado para combustíveis na região, conforme cotações oficiais da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Adicionalmente, identificamos
70 outros registros suspeitos de irregularidades no abastecimento, os quais
foram formalmente denunciados aos órgãos fiscalizadores competentes, incluindo
o TCM-BA.
Isso pode configurar desvio de
recursos públicos e violação aos princípios da economicidade e da moralidade
administrativa, previstos no art. 37 da Constituição Federal.
Diante tantos desacertos, nosso grupo dedicará esforços
adicionais para investigações mais aprofundadas nesse município. Para
contextualizar, segue uma síntese cronológica das principais inconformidades
identificadas na gestão, com base em dados públicos disponíveis:
Aprovações com Ressalvas
No primeiro julgamento do
período (Processo TCM nº 12084e22 – exercício 2021), a Corte aplicou multa de
R$ 4.000,00 e registrou desconformidades que já indicavam fragilidades
estruturais:
- Ocorrências consignadas na Cientificação
Anual, relacionadas às irregularidades em processos licitatórios.
- Irregularidades na contabilização das
alterações orçamentárias.
- Publicação extemporânea de decretos de
alterações orçamentárias.
- Impropriedades na elaboração dos
demonstrativos contábeis.
- Ausência de saldo suficiente para cobrir
as despesas compromissadas a pagar no exercício financeiro em exame,
contribuindo para o desequilíbrio fiscal da entidade.
- Ausência de comprovante do saldo da dívida
com INSS, registrada no passivo, referente à conta de atributo “P”
(permanente).
- Inconsistências nas informações de dados no SIGA.
O retrato é claro: contas com sinais de desequilíbrio financeiro, baixa qualidade dos registros contábeis, problemas de conformidade em licitações e falhas na transparência e tempestividade de informações ao sistema do TCM.
No exercício seguinte
(Processo TCM nº 07867e23 – exercício 2022), o Tribunal aplicou multa de R$
1.000,00 e identificou que a gestão não superou os problemas de base. Houve
déficit orçamentário, o que contraria o princípio do equilíbrio fiscal, e
persistiram impropriedades de natureza contábil e de controle:
- Não comprovação do efetivo incentivo à
participação popular e a realização de audiências públicas durante a fase
de discussão e elaboração dos instrumentos de planejamento;
- Ínfima arrecadação da dívida ativa, que
representa apenas 0,61% do estoque escriturado em 2021 (R$
147.905.146,99);
- Não comprovação da adoção de ações de
cobrança de multas e ressarcimentos imputados a agentes políticos do
Município;
- Reincidência na apresentação de deficiente
Relatório do Controle Interno;
- Intempestiva remessa de duas prestações de
contas mensais, além de contínuos pedidos de reabertura do Sistema
Informatizado (SIGA), em descumprimento aos prazos dispostos nas
Resoluções TCM n. 1.379/18 e 1.282/09;
- Existência de déficit orçamentário,
contrariando o princípio do equilíbrio entre receitas e despesas (LRF,
art. 1º, § 1º);
- Impropriedades identificadas nos
Demonstrativos Contábeis, conforme relatadas no item 3.4 (Contas de
Governo) deste decisório;
- Ocorrências remanescentes consignadas no
Relatório Anual expedido pela DCE (item “Acompanhamento da Execução
Orçamentária”).
Em 2023 (Processo TCM nº
07752e24 – exercício 2023), o TCM elevou o tom ao apontar inconsistências
materiais e um déficit patrimonial expressivo. A multa foi de R$ 2.000,00, e as
falhas destacadas mostram um conjunto de riscos fiscais e contábeis:
- Divergências apresentadas nas alterações
orçamentárias;
- Ausência de saldo financeiro para
cobertura de despesas compromissadas a pagar no exercício financeiro sob
análise;
- Diminuto percentual na arrecadação da
Dívida Ativa.
- Inconsistências em Demonstrativos
Contábeis, notadamente, relativo aos lançamentos concernentes ao Ativo
Imobilizado;
- Ausência da comprovação das certidões
comprobatórias de parcelamento de Dívida Fundada;
- Apresentação de deficit no valor de R$
84.949.635,74 no Demonstrativo de Variação Patrimonial;
- Funcionamento ineficaz do Controle
Interno, exigindo da Administração adoção de providências no sentido de
implementar melhorias para um acompanhamento mais eficaz da execução
orçamentário-financeira e patrimonial por parte da Controladoria
Municipal;
- Ausência de comprovação de recolhimento de
multas e ressarcimentos imputados aos ex-gestores, descumprindo
determinação deste Tribunal, nos termos do art. 72 da Lei Complementar n.º
06/91 e do art. 1º, inciso XI da Resolução TCM n.º 222/02.
- Ocorrências consignadas na Cientificação Anual: Irregularidades em processos licitatórios e contratos administrativos.
Para o cidadão, os efeitos são tangíveis. Comprometer despesas sem saldo financeiro suficiente e acumular déficit patrimonial pressiona o pagamento a fornecedores e serviços essenciais. Demonstrativos inconsistentes prejudicam a transparência e a tomada de decisões. A cobrança inefetiva da dívida ativa desperdiça receitas próprias. Licitações com apontamentos de irregularidades podem afetar preço, qualidade e continuidade de serviços.