A Ética na Política - Há respostas às nossas indagações?

Os estudos sobre as principais teorias éticas desenvolvidas ao longo dos séculos, quais sejam: éticas do ser (teorias do bem e da perfeição), analisadas desde a antiguidade até o final do século XVIII; éticas da consciência (Teorias do sentimento moral, dos valores, do utilitarismo, do socialismo), que abrangem os séculos XVI, XVII e XVIII; éticas da linguagem (Método genealógico dos conceitos morais, éticas procedimentais, ética do discurso), dos séculos XIX, XX e XXI, dão-nos uma dimensão global daquilo que vem sendo compreendido como ética, dentro de uma concepção de filosofia moral, todavia não nos permitem dar respostas finais e acabadas sobre nossas indagações, muito embora nos façam ter maior discernimento na tentativa de dirimir indagações que cotidianamente nos são postas acerca do tema ética na política. Na época atual, ainda procuramos, constantemente, aquele “bemviver”, proposto por Aristóteles na antiguidade clássica, em que o homem, como animal político, busca viver num meio comunitário justo e igualitário para a consecução de uma vida boa e feliz, com autorrealização (ética eudemonista). Mas, na prática, para muitos, diferentemente do que se pensava na antiguidade, a busca da felicidade não precisa estar associada com a moralidade. É aí que nasce o problema da corrupção política, à medida que, em geral, todos querem tirar o máximo de proveito pessoal enquanto estão no exercício da atividade política, mesmo que em detrimento do próximo, o que nos distancia cada vez mais daquele meio justo e igualitário idealizado por esse memorável filósofo grego. Assim, a começar pelas primeiras teorias éticas, antes de tentarmos responder às perguntas colocadas ao longo do texto, surge a seguinte indagação, a partir da teoria política de Aristóteles: será que podemos confiar que os agentes políticos são pessoas que possuem uma virtude intrínseca, por serem representantes legais do povo e por isso sempre agem com prudência e honestidade na tomada de decisões, não sendo necessários controles a eles direcionados? Dos ensinamentos do Estagirita, vemos que, já naquela época, o filósofo expunha preocupações sobre a rotatividade dos cargos de agentes carcereiros, a conveniência da não acumulação de cargos e da renovação de mandatos, a não ser após longos intervalos, e mesmo assim só em alguns cargos. Depreende-se, então, que os inconvenientes da corrupção em geral, e mais especificamente da corrupção política, já eram vislumbrados de forma admirável naquela época.

Destarte, no sentido aristotélico, fica cada vez mais claro que não trazemos em nós, desde o nosso nascimento, a característica intrínseca da virtude, ou seja, esta não nos é um produto natural ou imanente, mas decorre da prática de toda uma educação moral e cívica. Em outras palavras, pelo concurso da ação, baseada na educação, na maturidade e no hábito, é a própria prática que nos torna homens virtuosos.

Diante disso, concluímos, em relação às teorias filosóficas do bem e da felicidade, que, em geral, o homem em toda a sua história tem buscado realmente a felicidade. Mas, no exercício do poder político, cremos que não poderíamos chamá-lo de altruísta, mas, por que não dizer, egoísta, pois o que se procura é o benefício próprio e daqueles que compartilham dos mesmos interesses políticos, no mais das vezes escusos.

Após essas elucubrações sobre a teoria Aristotélica, damos um salto para os estudos kantianos, que, apesar de criticados, contêm teorias que se mantêm vivas e aplicáveis, até hoje, aos problemas centrais da modernidade. Percebemos que também ele teoriza a busca da felicidade, mas ressaltando que para que a atinjamos havemos que ser dignos dela, isto é, a felicidade torna-se efeito do mérito. Quer-se atingir a boa vontade, ou a vontade boa que dá acesso à consciência do dever moral. A existência humana adquire, assim, uma finalidade moral. Mas essas finalidades morais não devem ser arbitrárias, mas categóricas, abrangendo, para isso, valores absolutos, não condicionais, não relativos a certos fins e desejos.

Mas o que vemos, na prática? As ações políticas vão, frequentemente, de encontro aos imperativos categóricos, à medida que os agentes políticos querem atingir o prazer e a felicidade independentemente da observância de regras éticas incondicionais e não suscetíveis das influências dos desejos individuais. Nessa linha, é ilusório esperarmos que ajam por convicções morais próprias, ou seja, tenham as leis morais relativas ao uso da coisa pública, como um imperativo categórico6, tal como pensado na filosofia kantiana.

Kant, é importante que se diga, concordava com a concepção romana de que todos buscam a felicidade (Omnes homines beati esse volunt), mas para suportá-la teriam de estar convencidos de que realmente eram dignos dela, pois segundo ele o grande infortúnio que poderia advir para um homem era o menosprezo por si próprio. Nesse sentido, a felicidade obtida por meios escusos ou não condizentes com uma razão íntima seria, por assim dizer, uma falsa felicidade, pois estaria em desacordo com o nosso próprio eu. Dessa forma, mesmo sendo o ser humano imbuído de uma racionalidade ética, não se pode assegurar que a moralidade lhe seja uma característica intrínseca. Demanda-se, então, a produção de normativos acerca da ética dos agentes políticos, produção essa que deve ser feita com a maior austeridade possível, sendo, também, legitimada pela vontade da população, que, em última análise, é a mais prejudicada pela corrupção política.Mas isso só não basta. Há de se impedir (ou reduzir ao máximo) as interferências do poder político e econômico nessa produção normativa e também no processo de aplicação prática do direito positivado. Vislumbramos, dessa forma, que para que os imperativos possam ser válidos no cotidiano do ser humano, não podem estar apenas incluídos como uma abstração na mente dos indivíduos, mas têm que ser consubstanciados em normativos. Imperativos devem ser, portanto, vestidos por características formais próprias. Essa é uma das missões da filosofia moral (ética) e da ciência jurídica, ou seja, pensar quais imperativos mais se amoldam à práxis política, para serem juridicizados e aí não só proporcionarem uma reprovação intrínseca, mas, propriamente, uma reprovação jurídica pública de ações fora dos padrões de moralidade.

Diante de uma situação que poderíamos até chamar de uma corrupção endêmica, não podemos esperar que os agentes políticos reconheçam, conscientemente, como seres racionais, os comandos morais concernentes às suas atividades, sem que haja necessidade do estabelecimento de normativos próprios da ética e da intervenção de instâncias de controle. Daí a necessidade de empreenderem-se reflexões cada vez mais profundas sobre o problema da ética na política, já que podemos dizer que se trata de uma atividade nobre que requer representantes imbuídos não só de uma ética de convicções (Kant), própria de cada indivíduo, mas de uma ética da responsabilidade (Weber) totalmente voltada ao interesse público.Os comandos éticos relacionados com o trato da coisa pública têm de ser impostos e delineados de forma austera nas leis, sempre levando em consideração parâmetros imbuídos de uma ética da responsabilidade.

Já no decorrer da filosofia moderna, vimos que Descartes entendia que a condução ao imoralismo decorria da certeza de que há incompatibilidade entre moralidade e felicidade. A solução, então, seria remediar a inconstância dos espíritos fracos por intermédio da Lei, mesmo considerando que essas previsões legais pudessem suprimir as liberdades tão defendidas por ele.

Assim, diante da concepção preponderante no meio dos agentes políticos corruptos no sentido de que a felicidade tem de ser obtida a todo custo, mesmo que em detrimento da moralidade que se espera ver no decorrer de suas atuações como homens públicos, ratificamos que não há como fugir de leis de cunho ético, que tomam por base muitos dos estudos empreendidos na área da filosofia moral. Mesmo que essas leis venham atentar, de certa forma, contra a liberdade humana, tão defendida por Descartes7 e por Kant8, elas são extremamente necessárias, em especial no Brasil, onde os deveres morais a serem observados pelos homens públicos são comumente desconsiderados.

Com relação à ética utilitarista, será que podemos esperar que o ser humano, em particular o agente político, seja capaz de renunciar à sua própria felicidade em prol da felicidade dos outros, aí entendidos como a coletividade? Diante de tantos fatos históricos com o qual nos deparamos, cremos que essa renúncia e abnegação podem até acontecer, mas como fatos excepcionais.

A nosso ver, a regra é que poucos têm, verdadeiramente, a intenção de servir ao bem comum. Por isso, a noção de utilidade tão bem delineada pelos pensadores ingleses Benthan e Stuart Mill parece-nos ser utópica, numa sociedade em que, sabidamente, os grupos não são compostos pela soma das partes, pois têm interesses bastante divergentes. Em sendo assim, não vislumbramos como a noção de utilidade possa servir de medida de valoração para o comportamento humano, mais especificamente para o dos agentes políticos.

Com relação às éticas da era da linguagem, observamos que se trata de uma maneira bastante interessante de ver a moral, utilizando-se a linguagem como forma de justificação prática dos juízos de valoração moral. Estes têm de ser validados e justificados enquanto juízos morais, de forma que saibamos quais são verdadeiros e necessários, e em que sentido o são.

No sentido do agir político, os normativos éticos previamente estabelecidos num determinado ordenamento jurídico necessitam de uma motivação sempre voltada para o bem da coletividade. Nessa linha, para agir moralmente, os agentes políticos não devem vislumbrar interesses particulares, mas, sempre, públicos. Agindo contra estes, estarão agindo contra a ética, conduta esta digna de reprovação legal e social.

Mas o que vimos foi que ora considerando a ideia do bem, ora expressando a realidade objetiva, ora expressando a ideia de ordem, em geral, havia e há nos homens estudiosos da filosofia moral uma forte pretensão de que houvesse racionalidade e objetividade no trato dos valores. Os bens humanos buscados incluem primordialmente coisas que são boas pela sua própria natureza, ou seja, bens objetivamente bons, como a ausência de imoralidade ou, mais especificamente, moralidade administrativa, consubstanciada como princípio constitucional insculpido no art. 37, caput, da Carta Magna de 1988.

Como conciliar racionalidade, objetividade e moralidade? Pensamos que só por intermédio da feitura de normas condizentes com as realidades históricas e com as aspirações das populações diretamente interessadas. Normas, no sentido kantiano, mais imperativas e voltadas para o formalismo, racionalismo e rigorismo, mesmo que direcionadas para universos de menores dimensões que as imaginadas por Kant, bem assim as imbuídas de uma ética de responsabilidade, no sentido weberiano, seriam, no nosso sentir, um ponto referencial bem interessante.

05 - Considerações Finais

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